12 setembro, 2010


(o francês Wax Tailor)

Vou já dar resposta ao desafio que lancei abaixo porque senão depois esqueço-me. Já sei como sou.

A lista dos cinco álbuns por mim sugerida não é a melhor, vejo agora, por duas razões: em primeiro lugar, porque os álbuns deviam contrastar mais no que toca à questão que coloquei (já me explico melhor abaixo); depois porque o Dream Merchant, Vol 1, do 9th Wonder, não é um disco "instrumental" no sentido tão purista como o são os outros, uma vez que há sempre um rapper ou coros "em cima" do beat, o que não permite a apreensão instrumental que se pretendia.

Quanto ao primeiro ponto, acontece que eu devia ter feito uma lista onde contrastassem discos onde a preocupação de que tinha falado no sampling fosse muito maior nuns do que noutros. Todavia, como gosto tanto de hip-hop instrumental (e suas intimidades: electronica, breakbeat, down-tempo e um gigantesco etc.) só escolhi discos de que gosto e em que há praticamente em todos essa preocupação, esse tacto, no sampling.

Mas há diferenças!
E o que mais contrasta com os outros todos é o disco do 9th Wonder. A meu ver, tanto neste disco como na generalidade das suas produções, o 9th Wonder alinha muito mais por aquele caminho do "produtor servindo-se do beat". Os beats são óptimos, os arranjos impecáveis, não há duvidas. Mas a verdade é que me parece um processo muito mais "seco", cru, um "corta-e-cola" sem o cuidado estético pormenorizado que se sente nos discos do DJ Shadow ou do Wax Tailor - uma produção que se pressente quase como artesanal, "familiar", cheia de carinho. Isto não se reflecte só em termos sensoriais ou espirituais; na prática, as músicas do 9th Wonder são o beat (sempre muito vigoroso) e um sample de soul/funk e um rapper em cima, enquanto que no Shadow e no Wax Tailor, quer a sonoridade, quer a secção rítimica, são variadas, e ao que se juntam ainda todos aqueles "recortes" sonoros de filmes, anúncios, conversas, telefonemas, etc que são inseridos com precisão na atmosfera criada pela música. No fundo, parece-me haver mais dedicação, mais exaustão, mais... "soul" nestes discos.

Sem esta envolvência caseira, sem esta dedicação "infantil" (não no sentido depreciativo do termo, mas no do carinho e do apego às coisas), mas com um produção super refinada, temos o disco do Nathaniel Merriweather (um dos muitos alter ego de Daniel Nakamura): aqui sobressai, a meu ver, a vertente da "qualidade" (competência) na produção. Ela é elaborada (tanto ou mais que Shadow e Wax Tailor), variada e belíssima, mas não sinto a "emoção" que sinto nos dois citados autores. Oiço o disco muito mais como um verdadeiro "produto" (nada tem que ver com "comercial"!, não demonizem). É certo que Merriweather também usa e abusa de samples (especialmente de conversas de filmes), mas a atmosfera não tem a tal "caseirice" (e "meninice", porque não) de Shadow e Wax Tailor.

Por fim, o disco de Exile. Creio que Radio junta o melhor dos dois mundos: é um disco profissional, competente (ao estilo de Merriweather), mas que não deixa de ter presente implicitamente um processo mais "primitivo" - é o lado artesanal visível em Shadow e Wax Tailor...

Bem, e já estou a dar uma grande seca!
Big up!

5 comentários:

Anónimo disse...

Tinha escrito este texto no fórum 33-45. Descobri há pouco tempo o vosso blog e acho que seria um tema para uma boa dissertação! ;)
Aqui fica:

"Olá! Chamo-me Zé, sou estudante profissional e comecei recentemente a interessar-me mais por música. Com isto quero dizer que a minha relação com a música era semelhante à da maioria das pessoas, ouvia música como via televisão ou fazia qualquer outra coisa. Isto até que comecei a ouvir rap, a pesquisar mais, tive curiosidade em fazer umas experiências com o hip hop ejay lol, e ultimamente senti vontade de aprofundar a minha cultura musical para além da barreira do hip hop. Contudo, antes de começar essa aventura gostava de esclarecer algumas coisas com pessoal que anda nisto há muito tempo e que certamente me poderá ajudar, e que melhor sítio do que este! São questões sobre o próprio modo de ouvir e avaliar a música, e daí o nome do tópico. Então: na vossa opinião, a música pode ser avaliada e criticada objectivamente? Além do gosto pessoal de cada um, o que é que legitima alguém para dizer que a música do James Brown é melhor do que o que faz a última boys band a chegar ao mercado? São da opinião de que “gostos não se discutem, educam-se”? Quais são os vossos padrões para avaliar uma música, um álbum, toda a discografia de um artista? Em que medida é que o próprio artista, a sua vida pessoal e as posições políticas, sociais, etc, afectam a vossa avaliação da música dele?
São questões que gostava de esclarecer e que acho que podem até motivar uma discussão saudável.
Obrigado e espero que me possam ajudar!"

Francisco disse...

Olá Anónimo!

O teu comentário é interessante e o tem a que lhe subjaz ainda mais o é. Neste momento confesso que não tenho o tempo nem a disponibilidade para escrever sobre o que penso sobre isso. Isto é, poderia deixar dois ou três apontamentos fugazes, mas a verdade é que a questão - a teorização do que é (deve ser) a Crítica - é demasiado complexa e extensa e não merece um tratamento tão breve como eu lhe dedicaria. Por outro lado, não sei se será um blog e, sobretudo, este blog, o local mais apropriado para o fazer.

No entanto, deixo-te outra sugestão - uma crítica do Pedro Mexia ao "ABC da Crítica", um livro de Nuno Júdice (a "crítica da crítica", como o Mexia certeiramente lhe chama) e o próprio livro citado (que não li, mas que pela análise do Mexia deve abordar açguns dos pontos que abordaste).

Entretanto, e muito rapidamente, devo dizer que no que aos meus dois últimos textos diz respeito, é indubitável que há uma enorme carga subjectiva na reflexão que faço. Sem todavia que isso implique a anulação por completo de uma análise objectiva e "imparcial", a meu ver.

Quando digo que

"Dream Merchant, Vol 1, do 9th Wonder, não é um disco "instrumental" no sentido tão purista como o são os outros, uma vez que há sempre um rapper ou coros "em cima" do beat, o que não permite a apreensão instrumental que se pretendia",

estou, na minha opinião, a ser objectivo e frio na análise.

Porém, quando umas linhas mais à frente escrevo

"Ela é elaborada (tanto ou mais que Shadow e Wax Tailor), variada e belíssima, mas não sinto a "emoção" que sinto nos dois citados autores"

o que salta à vista é inegavelmente o pendor subjectivo da avaliação.

A questão que colocas é uma velha que questão e tem posto muitas cabeças a pensar (inclusivamente a minha). Em Portugal, aliás, existe, a meu ver, um particular preconceito contra a classe dos "críticos", sejam eles de cinema, música, literatura, teatro, pintura,... (mas sobretudo dos primeiros dois). Mas, como já disse, esta é uma questão muito densa e para a qual não tenho neste momento discernimento para me alongar.
Mas fico curioso por opiniões alheias:)

Um abraço,
Francisco.

Francisco disse...

Por distração, esqueci-me de deixar o link para o texto do Mexia: http://ipsilon.publico.pt/livros/critica.aspx?id=264366

Francisco disse...

Ah, e entretanto lembrei-me de um texto que escrevi em tempos a propósito dos "críticos". Talvez te possa interessar:

http://streetscriptures.blogspot.com/2010/01/dos-criticos.html

Anónimo disse...

Obrigado pela resposta, ainda acompanhei os últimos tempos do street scriptures mas não me lembrava desse artigo, e não conhecia o do Mexia. Vou ler isso ;)
Mais uma vez obrigado, e parabéns pelo vosso bom trabalho aqui!