01 outubro, 2010

democratizar


(na fotografia: Charles Mingus)

O jazz nasceu na América no início do século XX, no interior das populações mais pobres (sobretudo dos africanos que para aí haviam emigrado).
Hoje, mais de um século depois, nas sociedades capitalistas ocidentais, o jazz é predominantemente música erudita para eruditos, ouvido e praticado por uma certa elite intelectual e cultural.

O rap (e depois, com ele, o hip-hop) nasceu nessa mesma América, nos anos 60/70 desse mesmo século, e também entre as comunidades mais desfavorecidas (sobretudo dos negros aquartelados em ghettos urbanos).
Hoje, passados quase 50 anos, o hip-hop, não obstante ser ouvido e praticado um pouco por toda a gente (até pela massificação e descerebração de que foi vítima pela MTV e afins, pela indústria discográfica e pelos próprios artistas), a verdade é que ainda é associado a franjas da sociedade mais excluídas, pobres ou com pouca educação (musical também).

Penso que estamos a assistir hoje a um processo em que estes dois elementos, o jazz e o hip-hop, similares na origem, procuram processos de legitimação/democratização/acesso junto de públicos opostos:
o jazz de cima (elites) para baixo (classe média e baixa e, de um modo geral, a população menos letrada);
o hip-hop de baixo (essa mesma população menos educada, intelectual e musicalmente falando) para cima (as tais elites).
Engraçado como, tendo origens semelhantes, se movem hoje em sentidos contrários no que à democratização do acesso diz respeito...

Talvez um dia estejam ambos de tal forma disseminados (democratizados) pela população que possamos ouvir um Common na Casa de Música actuando para o Zé... e para o Sr. Prof. Doutor José.



"Jazz thing", Gangstarr.


ADENDA:


Talvez tenha incorrido num pequeno erro quando escrevi "processos de legitimação/democratização/acesso".
Porque parece-me que o jazz, no movimento de cima para baixo está em claro processo de democratização; mas quando o hip-hop vai de baixo para cima, o processo aqui é fundamentalmente de legitimação (sem que essa legitimação, uma vez conseguida, não traduza, de certa forma, uma ideia de democracia no plano da igualdade e da aversão ao snobismo intelectual).

São questões diferentes mas em que o propósito não deixa de ser o mesmo: alargar e cultivar públicos cada vez mais heterógeneos.

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